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POETAS DE MACONGE

Numa análise objectiva, pode dizer-se que Maconge nasceu de uma dissidência. O núcleo de fundadores do Reino tomou a iniciativa de afrontar as autoridades académicas - Reitor, professores e até colegas estudantes - para denunciar a apatia e o seguidismo das sucessivas direções da Associação Académica da Huíla.

Segundo a sua perspectiva, só o Reino de Maconge podia representar e defender os interesses dos estudantes do Liceu. Eram inequívocos os princípios enunciados na primeira Constituição do Reino, a refletirem a vontade inamovível dos Fundadores. Havia que corporizar os ideais e enaltece-los o mais veementemente possível.

Quis a fortuna que dois dos Fundadores aliassem à vontade e à militância Maconginas, uma inequívoca veia poética!. Rui Ferreira Coelho e César Paulo da Silva atreveram-se a pensar em grande: à medida de Maconge, como o queriam! No mínimo um poema épico para celebrar Maconge, com a mesma garra com que Camões celebrou a Pátria.

Claro que são apenas aparentes as semelhanças mas, tal como "Os Lusíadas", AS MACONGÍADAS traçam o retrato fiel da alma do "povo" que evocam.

Jorge Arrimar2.JPG

Eis o Grão-Soba que na Embala primeiro

habita, o Vice-Rei de Maconge em iluminada

sala observa e ao bardo macongino, por inteiro

lhe narra os feitos da invencível armada

que em outros tempos o Cunene viu fragueiro.

Dos mundimbas se ouviu a poderosa batucada

lá na Oncócua feudo da alvoroçada gente

que se estende pela savana até ao Oriente

e os velhos Pioneiros que andaram

tantas terras para verem os segredos delas

no florido Planalto da Huíla se ficaram

por certo nós hoje faremos dos sonhos as velas

que com o vento da tradição se insuflaram.

Rumaremos às novas gerações e as virgens telas

pintaremos em chicoronhas tonalidades

a História feita em angolanas idades.

E deu-me o Vice-Rei do seu trono licença

para narrar em verso bem acabado

o famoso acontecimento que sem detença

faço agora de ricos versos adornado.

Do Dongue, seus vassalos de fortuna imensa

foram feitos sobas no mungambo condado.

O ilustre Muhona feliz bem recebe

enquanto a turba contente come e bebe.

A batucada foi tão forte que usada na guerra

ao inimigo os mungambos fizeram dano;

e assim, não tendo já a quem vencer na terra,

vão em grandes saltos acometendo o oceano

de capim que s'espalhando até à finisterra

faz da chama a pátria eleita do africano.

E já se vê de ceptro sobal, maboque e piteira

o Soba Donguense D. Carlos Marques Vieira

O roubo do sino do Liceu era um episódio recorrente. Cremos mesmo que terá acontecido pelo menos uma vez em cada geração (de 7 em 7 anos...). Por muito bem que o sino fosse pregado, chumbado à parede, o engenho dos estudantes arranjava maneira de o tirar e esconder durante vários dias. Enquanto "o acaso" não se encarregasse de o fazer encontrar, os toques de entrada e saída dos alunos eram feitos com pancadas de um ferro num pedaço de carril ferroviário.

É este episódio que Bruto da Costa, Orlando Carvalho e Luís Almeida contam neste poema ilustrado pelo Retratista do Reino, D. João Manjericão, [Neco]:

EPISÓDIO DO SINO

I

A dedicatória vai ser interrompida

Pois tenho outro assunto a contar

Com os avisos a malta está perdida:

Já nem pode a miúda acompanhar

Toda a malta ficou aborrecida

Pois os avisos fazem enjoar

Houve quem embora mansinho,

Desviasse o pitrólio do Meirinho.

II

O liceu anda em grande reboliço:

O Meirinho com olhar tristonho,

O Tavares anda armado em magriço

Julgando meter medo: está medonho

O Reitor emagreceu que nem chouriço

Só para a malta isto parece um sonho.

Enfim: tudo luta à mocada, paus e murros

E dão coices de fazer inveja aos burros.

III

O Meirinho começou o seu calvário

Tem que tocar num pedaço de carril

Mas já foi chamado o Comissário

Que fingiu de forte e de viril

Mas creio que arranjou triste fadário:

Deve regressar em breve ao seu canil

Oh! Meirinho, que triste o teu destino.

IV

Porém já cinco sois eram passados

Nos quais se entrava ao som de coisa estranha

Os professores andavam agastados

Em todos se notava certa manha

Eis certa manhã todos espantados

Com o que aconteceu: grande façanha

O sino que havia sido desviado

Foi por um contínuo encontrado.

Nina.JPG

D. Pipo mereceu este belo poema de Nina do Otchinjau, em grafia quase onomatopaica e que apetece dizer em voz alta.

(Clicar no poema para o ver no tamanho original)

Os meninos de Angola

Coitados andam de rastos

Não podem jogar à bola

Não podem usar sapatos

Os meninos de Angola

Não andam de bicicleta

Nem com livros na sacola

Andam só de muleta

Porque a mina enterrada

No chão camuflada

Explodiu ao ser pisada!

Os meninos de Angola

Não podem fazer pirão

Nem buscar água à mulola

Pois a maldita granada

Encontrada na Picada

Tirou-lhe o braço e a mão

Os meninos de Angola

Pobres sofrem a guerra

Andam pedindo esmola

Nas ruas da sua terra

Os meninos de Angola

Infelizes não sabem ler

Por não haver escola

Onde possam aprender

Os meninos de Angola

Pai. mãe não têm medo não

Um sorriso é uma esmola

Que aquece o coração

O mais velho o mais rijo

Anda à procura no lixo

Do pedaço de pão

Que o rico atirou ao chão

Os meninos de Angola

Fugiram todos da mata.

A fratricida guerra

destruiu a cubata

Que tinham na sua terra.

Crianças meias nuas

Andam em bandos pelas ruas

Esfomeadas, espancadas,

cheias de sida e drogadas

Dormem nos bancos da Praça

Dão o corpo de graça

A troco de uma fumaça.

Pobre da negra raça!!

Os meninos de Angola

Clamam pela vingança

Vingança. vingança ...

Ódio em peito de criança

Era um simples rapazinho

Com um rosto magrinho

Oh que triste a negra sorte

Pagou caro com a morte!

Uma cena de arrepiar.

Foi encontrado morto

sobre as dunas do mar

Está mali. mali, mali!

Se eu pudesse contar

As lágrimas que derramei

Com a televisão a passar

As cenas que aqui narrei

Não chegavam p'ra lavar

A doce consciência...

De quem deu a independência!!

Nina do Otchinjau

Aos Meninos de Angola

Eu

Queria ser como estrela cadente

À noite brilhante a deslizar no céu

Para ouvir o povo rezar crente:

Deus te guie, corre em frente

E morrer no escuro poente.

Queria voltar ao tempo da infância

Aos anos bons para ser-se criança

Pra sentir na boca o sabor da manga

Nas mãos o cheiro acre da pitanga

E ouvir o canto suave da Vianganga

Queria voltar às brincadeiras na escola

Girar à roda, saltar à corda, jogar à bola

Brincar à falua, à berlinda, encher o balão

Atirar a rodar o meu amigo pião ao chão

Apanhar a saltar na palminha da minha mão.

Queria voltar à minha velhinha escola

Levando pão com mel e fruta na sacola

Para repartir com carinho e igualdade

Pelas crianças pobres da minha idade

Queria hoje, aqui, agora e de repente

Ser jovem humana, justa e diferente

Sentir a alma pura o coração no rosto

Para todos saberem de quem eu gosto

Queria voltar a ser gente pequenina

Para ouvir a mãe a chamar-me Nina

Crescer com ilusões, crer no semelhante

Na amizade voltar a ser boa e confiante.

Queria receber como pequena esmola

Um punhado de terra da minha Angola

Sou sua filha, tenho esse direito

Para idosa levar comigo junto ao coração

No lugar dos cravos rubros da revolução

Podres com cheiro a morte e a traição.

Nina do Otchinjau - Julho 2014

Pipo.jpg

Florinda

Os capim. os capim danado

Que nasce no monte

Sem ser esprantado ...

Ai ó cafeco quem farou a ti

C' as frôre do mato

Não era os capim ? ..

Ai ó Amélia porque estás inchada?

Ai qui bicho foi qui ti mordeu

Foi o marimbondo

Mi deu dois picada

Mi deu dois picada

Mas também moreu

Os peito di Carolina

Tem uma lenço a tapar

Quando a Carolina anda

O lenço fica a sartar ...

Tem chipoque, tem chipoque

Tem chipoque nos panera

Tu não come mais chipoque

Qui ti vai dar diaréra ...

Tempo de chuva mi dá os frôre

E também fruta mi dá

Os piápia vai e vorta sempre

Um gajo morre já não vorta cá.

Oh nocheirinha da Vipunga

C'o beco a nocha cai no ch

Ai ó Frorinda

Só teus mavero não cai

Ai ó Frorinda

Nos parma dos minha mão.

Ai deram, ai deram ao guelengue

A girafa, a girafa

Pr'amigar

Essa não essa não

Essa não diz o guelengue

Como posso como posso lá chega

No arto da n' gaiavera

Carolina comen' gaiava

E eu cá debaixo dera

Boas pernas eo olava ..

O!í.ó,á

Dessa fruta aqui não há

O ... í,ó,á

Mas não fartam as muié.

Ponha aqui, ponha aqui

Ponha aqui sua carcinha...

Ponha ao pé, ponha ao pé

Ponha ao pé do meu carção

Si tirar, si tirar

Si tirar sua carcinha

Eu Ihi juro, eu Ihi juro

Eu Ihi juro vejo não ...

João Simões (Pipo)

Honorato de Freitas.jpg

Honorato Gonçalves Henriques de Freitas, nasceu a 22 de Dezembro de 1917, no Tchaiombo, Humpata, Huíla. Ausentou-se para Parte Incerta a 30 de Junho de 1991 em Lisboa. Estudou no então Liceu Nacional Diogo Cão, onde ganhou a alcunha de Calmatites. O seu título de Duque deve-se ao facto de, para além de fazer parte do grupo dos primeiros Maconginos, ser Tio do Rei Dom Caio César da Silveira, pois era irmão de Dona Constança Gonçalves da Silveira, Mãe do Rei.

Era casado com Maria Hermínia Soares de Campos Ferreira Serrado de Freitas, nascida a 27 de Março de 1927 em Silva Porto – Cuito, Bié, A.P.I. em 11 de Abril de 2002 em Lisboa, e que tinha o título de Baronesa do Reino, título esse atribuído pelo próprio Rei.

Maria do Rosário de Fátima Serrado de Freitas, filha de Honorato Gonçalves Henriques de Freitas e de Maria Hermínia Soares de Campos Ferreira Serrado de Freitas, Baronesa do Reino, tal como sua Mãe. Nascida a 7 de Novembro de 1951 em Silva Porto – Bié.

O casal tem mais dois filhos: José Joaquim Filomeno Serrado de Freitas, nascido a 8 de Julho de 1957 também no Bié e Carlos Guilherme Serrado de Freitas, nascido a 27 de Outubro de 1963 no Lubango.

Uma só estrofe do que poderá ser um grande poema épico... Alguém saberá onde pára?

(Clicar no verso  para  ver no tamanho original)

[Clicar na imagem]

Jose Frade

Maconge

 

D. Caio César da Silveira o criou,

Da sua fazenda o nome, inspirado;

Eterno elixir da juventude inventou:

Maconge, Reino deveras almejado.

Caminhando sem receio da viagem,

Os ousados bardos vieram, de longe,

Com o fito de celebrar vassalagem,

A prestar ao Monarca de Maconge.

Com a força da Amizade no coração,

Bela, tiveram a Leba por companhia;

De Capangombe vieram, lado a lado.

Pelo mesmo Ideal, outros poetas virão,

Neles renascem os sonhos da Fantasia:

Surgisse Mundo na Igualdade baseado.

Soando o chifre...

 

Fazei soar o chifre de olongo!

que sobre o largo horizonte

o seu toque se espalhe...

notícias, mukandas, novidades,

velozes voam, sobre a terra,

sobre o deserto,

subindo à serra;

notícias, mukandas, novidades,

velozes voam, sobre a terra,

sobre o deserto,

subindo à serra;

esperando novas também os homens,

fazendo fumegar os cachimbos,

sabendo que terão de conduzir as manadas

para outras paragens...

o fim da espera ao longe já surge;

de movimento, o tempo urge.

Mulher Angolana

 

Mulher Angolana

que teus filhos entregas

à Terra imensa -

como teus lábios

de tenros talos sequiosa

de pèzinhos dos omonas -

que rápidos aprenderão

em correrias pelo seu chão

a trepar aos paus sem medo,

a matar a fome com goiabas...

Mulher Angolana

ainda teu olhar é de menina,

tens voz de vivida calma

e o olhar profundo e distante.

Ao pé de ti

o meu coração se encosta,

sente bater teus passos quentes,

certo de que sempre me acompanhas...

Maria Leonor Esteves Lopes Macedo, nasceu e viveu até aos 16 anos em Luanda. Nessa altura, mudou-se para o Lubango, onde casou e teve três filhos: Sónia Vera, Deborah Solange e Carlos Gustavo.

Desenvolveu a sua actividade profissional na função pública, estando actualmente na situação de aposentada.

A sua formação abrangeu várias áreas, com particular relevo para a área cultural, onde participou em apresentações de lançamentos de obras literárias, exposições, conferencias e formações.

Desde criança, brincava, aos poetas, influenciada por sua mãe, quando esta lia ou declamava poemas de que gostava. Daí advém a sua grande paixão pela poesia.

Como grande amante da cultura, desde os tempos de menina da rádio, se habituou a participar em atividades deste cariz: Fez teatro, escreveu e encenou uma peça que levou à cena. Escreveu um tema de poesia para um programa que apresentava em Angola. Foi apresentadora de espetáculos e, em Luanda, cantou num programa de variedades, de nome “Chá das Cinco”. Fez parte do orfeão académico do Liceu Diogo Cão, no Lubango, onde foi aluna do professor Altino Ferreira. Nas artes literárias, foi colaboradora da página literária dos jornais “Correio da Manhã” e do “Comércio do Porto”, bem como da folha literária do “Jornal Cultural de Felgueiras”. Foi membro da “Academia dos Poetas e Autores do Vale do Sousa”, onde, entre os anos 1991 a 2001, ganhou seis prémios literários, com participação em publicações de poesia nas coletâneas literárias que eram publicadas todos os anos. Em 28 de Maio de 2009, lançou o seu primeiro livro de poesia, intitulado “A Poetisa de Mim”.

“Este é o universo da minha liberdade, aqui sei, que sou eu própria, que sou eu quem constrói, quem satisfaz o desejo de expressão, que justifica sentimentos, quem expressa sentimentos, quem não dá, ou deixa nas mãos de outros, aquilo que sou”.

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