
POETAS DE MACONGE

Numa análise objectiva, pode dizer-se que Maconge nasceu de uma dissidência. O núcleo de fundadores do Reino tomou a iniciativa de afrontar as autoridades académicas - Reitor, professores e até colegas estudantes - para denunciar a apatia e o seguidismo das sucessivas direções da Associação Académica da Huíla.
Segundo a sua perspectiva, só o Reino de Maconge podia representar e defender os interesses dos estudantes do Liceu. Eram inequívocos os princípios enunciados na primeira Constituição do Reino, a refletirem a vontade inamovível dos Fundadores. Havia que corporizar os ideais e enaltece-los o mais veementemente possível.
Quis a fortuna que dois dos Fundadores aliassem à vontade e à militância Maconginas, uma inequívoca veia poética!. Rui Ferreira Coelho e César Paulo da Silva atreveram-se a pensar em grande: à medida de Maconge, como o queriam! No mínimo um poema épico para celebrar Maconge, com a mesma garra com que Camões celebrou a Pátria.
Claro que são apenas aparentes as semelhanças mas, tal como "Os Lusíadas", AS MACONGÍADAS traçam o retrato fiel da alma do "povo" que evocam.

Eis o Grão-Soba que na Embala primeiro
habita, o Vice-Rei de Maconge em iluminada
sala observa e ao bardo macongino, por inteiro
lhe narra os feitos da invencível armada
que em outros tempos o Cunene viu fragueiro.
Dos mundimbas se ouviu a poderosa batucada
lá na Oncócua feudo da alvoroçada gente
que se estende pela savana até ao Oriente
e os velhos Pioneiros que andaram
tantas terras para verem os segredos delas
no florido Planalto da Huíla se ficaram
por certo nós hoje faremos dos sonhos as velas
que com o vento da tradição se insuflaram.
Rumaremos às novas gerações e as virgens telas
pintaremos em chicoronhas tonalidades
a História feita em angolanas idades.
E deu-me o Vice-Rei do seu trono licença
para narrar em verso bem acabado
o famoso acontecimento que sem detença
faço agora de ricos versos adornado.
Do Dongue, seus vassalos de fortuna imensa
foram feitos sobas no mungambo condado.
O ilustre Muhona feliz bem recebe
enquanto a turba contente come e bebe.
A batucada foi tão forte que usada na guerra
ao inimigo os mungambos fizeram dano;
e assim, não tendo já a quem vencer na terra,
vão em grandes saltos acometendo o oceano
de capim que s'espalhando até à finisterra
faz da chama a pátria eleita do africano.
E já se vê de ceptro sobal, maboque e piteira
o Soba Donguense D. Carlos Marques Vieira

O roubo do sino do Liceu era um episódio recorrente. Cremos mesmo que terá acontecido pelo menos uma vez em cada geração (de 7 em 7 anos...). Por muito bem que o sino fosse pregado, chumbado à parede, o engenho dos estudantes arranjava maneira de o tirar e esconder durante vários dias. Enquanto "o acaso" não se encarregasse de o fazer encontrar, os toques de entrada e saída dos alunos eram feitos com pancadas de um ferro num pedaço de carril ferroviário.
É este episódio que Bruto da Costa, Orlando Carvalho e Luís Almeida contam neste poema ilustrado pelo Retratista do Reino, D. João Manjericão, [Neco]:
EPISÓDIO DO SINO
I
A dedicatória vai ser interrompida
Pois tenho outro assunto a contar
Com os avisos a malta está perdida:
Já nem pode a miúda acompanhar
Toda a malta ficou aborrecida
Pois os avisos fazem enjoar
Houve quem embora mansinho,
Desviasse o pitrólio do Meirinho.
II
O liceu anda em grande reboliço:
O Meirinho com olhar tristonho,
O Tavares anda armado em magriço
Julgando meter medo: está medonho
O Reitor emagreceu que nem chouriço
Só para a malta isto parece um sonho.
Enfim: tudo luta à mocada, paus e murros
E dão coices de fazer inveja aos burros.
III
O Meirinho começou o seu calvário
Tem que tocar num pedaço de carril
Mas já foi chamado o Comissário
Que fingiu de forte e de viril
Mas creio que arranjou triste fadário:
Deve regressar em breve ao seu canil
Oh! Meirinho, que triste o teu destino.
IV
Porém já cinco sois eram passados
Nos quais se entrava ao som de coisa estranha
Os professores andavam agastados
Em todos se notava certa manha
Eis certa manhã todos espantados
Com o que aconteceu: grande façanha
O sino que havia sido desviado
Foi por um contínuo encontrado.

D. Pipo mereceu este belo poema de Nina do Otchinjau, em grafia quase onomatopaica e que apetece dizer em voz alta.

(Clicar no poema para o ver no tamanho original)
Os meninos de Angola
Coitados andam de rastos
Não podem jogar à bola
Não podem usar sapatos
Os meninos de Angola
Não andam de bicicleta
Nem com livros na sacola
Andam só de muleta
Porque a mina enterrada
No chão camuflada
Explodiu ao ser pisada!
Os meninos de Angola
Não podem fazer pirão
Nem buscar água à mulola
Pois a maldita granada
Encontrada na Picada
Tirou-lhe o braço e a mão
Os meninos de Angola
Pobres sofrem a guerra
Andam pedindo esmola
Nas ruas da sua terra
Os meninos de Angola
Infelizes não sabem ler
Por não haver escola
Onde possam aprender
Os meninos de Angola
Pai. mãe não têm medo não
Um sorriso é uma esmola
Que aquece o coração
O mais velho o mais rijo
Anda à procura no lixo
Do pedaço de pão
Que o rico atirou ao chão
Os meninos de Angola
Fugiram todos da mata.
A fratricida guerra
destruiu a cubata
Que tinham na sua terra.
Crianças meias nuas
Andam em bandos pelas ruas
Esfomeadas, espancadas,
cheias de sida e drogadas
Dormem nos bancos da Praça
Dão o corpo de graça
A troco de uma fumaça.
Pobre da negra raça!!
Os meninos de Angola
Clamam pela vingança
Vingança. vingança ...
Ódio em peito de criança
Era um simples rapazinho
Com um rosto magrinho
Oh que triste a negra sorte
Pagou caro com a morte!
Uma cena de arrepiar.
Foi encontrado morto
sobre as dunas do mar
Está mali. mali, mali!
Se eu pudesse contar
As lágrimas que derramei
Com a televisão a passar
As cenas que aqui narrei
Não chegavam p'ra lavar
A doce consciência...
De quem deu a independência!!
Nina do Otchinjau
Aos Meninos de Angola
Eu
Queria ser como estrela cadente
À noite brilhante a deslizar no céu
Para ouvir o povo rezar crente:
Deus te guie, corre em frente
E morrer no escuro poente.
Queria voltar ao tempo da infância
Aos anos bons para ser-se criança
Pra sentir na boca o sabor da manga
Nas mãos o cheiro acre da pitanga
E ouvir o canto suave da Vianganga
Queria voltar às brincadeiras na escola
Girar à roda, saltar à corda, jogar à bola
Brincar à falua, à berlinda, encher o balão
Atirar a rodar o meu amigo pião ao chão
Apanhar a saltar na palminha da minha mão.
Queria voltar à minha velhinha escola
Levando pão com mel e fruta na sacola
Para repartir com carinho e igualdade
Pelas crianças pobres da minha idade
Queria hoje, aqui, agora e de repente
Ser jovem humana, justa e diferente
Sentir a alma pura o coração no rosto
Para todos saberem de quem eu gosto
Queria voltar a ser gente pequenina
Para ouvir a mãe a chamar-me Nina
Crescer com ilusões, crer no semelhante
Na amizade voltar a ser boa e confiante.
Queria receber como pequena esmola
Um punhado de terra da minha Angola
Sou sua filha, tenho esse direito
Para idosa levar comigo junto ao coração
No lugar dos cravos rubros da revolução
Podres com cheiro a morte e a traição.
Nina do Otchinjau - Julho 2014

Florinda
Os capim. os capim danado
Que nasce no monte
Sem ser esprantado ...
Ai ó cafeco quem farou a ti
C' as frôre do mato
Não era os capim ? ..
Ai ó Amélia porque estás inchada?
Ai qui bicho foi qui ti mordeu
Foi o marimbondo
Mi deu dois picada
Mi deu dois picada
Mas também moreu
Os peito di Carolina
Tem uma lenço a tapar
Quando a Carolina anda
O lenço fica a sartar ...
Tem chipoque, tem chipoque
Tem chipoque nos panera
Tu não come mais chipoque
Qui ti vai dar diaréra ...
Tempo de chuva mi dá os frôre
E também fruta mi dá
Os piápia vai e vorta sempre
Um gajo morre já não vorta cá.
Oh nocheirinha da Vipunga
C'o beco a nocha cai no ch
Ai ó Frorinda
Só teus mavero não cai
Ai ó Frorinda
Nos parma dos minha mão.
Ai deram, ai deram ao guelengue
A girafa, a girafa
Pr'amigar
Essa não essa não
Essa não diz o guelengue
Como posso como posso lá chega
No arto da n' gaiavera
Carolina comen' gaiava
E eu cá debaixo dera
Boas pernas eo olava ..
O!í.ó,á
Dessa fruta aqui não há
O ... í,ó,á
Mas não fartam as muié.
Ponha aqui, ponha aqui
Ponha aqui sua carcinha...
Ponha ao pé, ponha ao pé
Ponha ao pé do meu carção
Si tirar, si tirar
Si tirar sua carcinha
Eu Ihi juro, eu Ihi juro
Eu Ihi juro vejo não ...
João Simões (Pipo)

Honorato Gonçalves Henriques de Freitas, nasceu a 22 de Dezembro de 1917, no Tchaiombo, Humpata, Huíla. Ausentou-se para Parte Incerta a 30 de Junho de 1991 em Lisboa. Estudou no então Liceu Nacional Diogo Cão, onde ganhou a alcunha de Calmatites. O seu título de Duque deve-se ao facto de, para além de fazer parte do grupo dos primeiros Maconginos, ser Tio do Rei Dom Caio César da Silveira, pois era irmão de Dona Constança Gonçalves da Silveira, Mãe do Rei.
Era casado com Maria Hermínia Soares de Campos Ferreira Serrado de Freitas, nascida a 27 de Março de 1927 em Silva Porto – Cuito, Bié, A.P.I. em 11 de Abril de 2002 em Lisboa, e que tinha o título de Baronesa do Reino, título esse atribuído pelo próprio Rei.
Maria do Rosário de Fátima Serrado de Freitas, filha de Honorato Gonçalves Henriques de Freitas e de Maria Hermínia Soares de Campos Ferreira Serrado de Freitas, Baronesa do Reino, tal como sua Mãe. Nascida a 7 de Novembro de 1951 em Silva Porto – Bié.
O casal tem mais dois filhos: José Joaquim Filomeno Serrado de Freitas, nascido a 8 de Julho de 1957 também no Bié e Carlos Guilherme Serrado de Freitas, nascido a 27 de Outubro de 1963 no Lubango.
Uma só estrofe do que poderá ser um grande poema épico... Alguém saberá onde pára?
(Clicar no verso para ver no tamanho original)


Maconge
D. Caio César da Silveira o criou,
Da sua fazenda o nome, inspirado;
Eterno elixir da juventude inventou:
Maconge, Reino deveras almejado.
Caminhando sem receio da viagem,
Os ousados bardos vieram, de longe,
Com o fito de celebrar vassalagem,
A prestar ao Monarca de Maconge.
Com a força da Amizade no coração,
Bela, tiveram a Leba por companhia;
De Capangombe vieram, lado a lado.
Pelo mesmo Ideal, outros poetas virão,
Neles renascem os sonhos da Fantasia:
Surgisse Mundo na Igualdade baseado.
Soando o chifre...
Fazei soar o chifre de olongo!
que sobre o largo horizonte
o seu toque se espalhe...
notícias, mukandas, novidades,
velozes voam, sobre a terra,
sobre o deserto,
subindo à serra;
notícias, mukandas, novidades,
velozes voam, sobre a terra,
sobre o deserto,
subindo à serra;
esperando novas também os homens,
fazendo fumegar os cachimbos,
sabendo que terão de conduzir as manadas
para outras paragens...
o fim da espera ao longe já surge;
de movimento, o tempo urge.
Mulher Angolana
Mulher Angolana
que teus filhos entregas
à Terra imensa -
como teus lábios
de tenros talos sequiosa
de pèzinhos dos omonas -
que rápidos aprenderão
em correrias pelo seu chão
a trepar aos paus sem medo,
a matar a fome com goiabas...
Mulher Angolana
ainda teu olhar é de menina,
tens voz de vivida calma
e o olhar profundo e distante.
Ao pé de ti
o meu coração se encosta,
sente bater teus passos quentes,
certo de que sempre me acompanhas...
Maria Leonor Esteves Lopes Macedo, nasceu e viveu até aos 16 anos em Luanda. Nessa altura, mudou-se para o Lubango, onde casou e teve três filhos: Sónia Vera, Deborah Solange e Carlos Gustavo.
Desenvolveu a sua actividade profissional na função pública, estando actualmente na situação de aposentada.
A sua formação abrangeu várias áreas, com particular relevo para a área cultural, onde participou em apresentações de lançamentos de obras literárias, exposições, conferencias e formações.
Desde criança, brincava, aos poetas, influenciada por sua mãe, quando esta lia ou declamava poemas de que gostava. Daí advém a sua grande paixão pela poesia.
Como grande amante da cultura, desde os tempos de menina da rádio, se habituou a participar em atividades deste cariz: Fez teatro, escreveu e encenou uma peça que levou à cena. Escreveu um tema de poesia para um programa que apresentava em Angola. Foi apresentadora de espetáculos e, em Luanda, cantou num programa de variedades, de nome “Chá das Cinco”. Fez parte do orfeão académico do Liceu Diogo Cão, no Lubango, onde foi aluna do professor Altino Ferreira. Nas artes literárias, foi colaboradora da página literária dos jornais “Correio da Manhã” e do “Comércio do Porto”, bem como da folha literária do “Jornal Cultural de Felgueiras”. Foi membro da “Academia dos Poetas e Autores do Vale do Sousa”, onde, entre os anos 1991 a 2001, ganhou seis prémios literários, com participação em publicações de poesia nas coletâneas literárias que eram publicadas todos os anos. Em 28 de Maio de 2009, lançou o seu primeiro livro de poesia, intitulado “A Poetisa de Mim”.
“Este é o universo da minha liberdade, aqui sei, que sou eu própria, que sou eu quem constrói, quem satisfaz o desejo de expressão, que justifica sentimentos, quem expressa sentimentos, quem não dá, ou deixa nas mãos de outros, aquilo que sou”.